Brasileiro preso por tráfico internacional de drogas lança livro sobre sua história


Precoce, aos seis anos, ele começou a surfar. Aos 11, além de pegar onda, usava lança-perfume e maconha. Depois, passou para LSD, cocaína, ecstasy e, por fim, crack. Aos 30, foi preso em Lisboa por tráfico internacional de drogas.

Filho de classe média de São Paulo, surfista e ex-estudante de engenharia, Jaques Chulam, 35, foi preso em 2004 ao aterrissar no aeroporto da Portela de Sacavém com um paraglider "turbinado" com cocaína.
Passou quase dois anos e meio preso --lá a pena por tráfico é de quatro a 12 anos. Obteve a liberdade condicional por bom comportamento e, sendo brasileiro, foi extraditado. Após abandonar as drogas e o tráfico, escreveu um livro para contar a história de um jovem que tinha tudo para ser promissor e foi derrubado pelo vício.
Divulgação
Jaques Chulam, autor do livro "Surfista, ex-drogado, ex-traficante", no qual conta como foi seu caminho nas drogas e na prisão
Jaques Chulam, autor do livro "Surfista, ex-drogado, ex-traficante", no qual conta como foi seu caminho nas drogas e na prisão

"Surfista, ex-drogado, ex-traficante" (ed. Francisco Alves) foi lançado no último dia 20. Leia abaixo trechos da entrevista concedida por e-mail, enquanto Chulam estava na China para visitar uma feira de produtos esportivos.

FOLHA - No livro, você conta que começou a usar drogas ainda garoto. Qual foi o seu caminho por elas?
JAQUES CHULAM - Encontrei nas drogas uma fórmula mágica. Era algo que me dava uma falsa impressão de bem-estar, mas que me prejudicou muito. Comecei com cola, lança-perfume, cerveja e maconha quando tinha apenas 11 anos. Depois veio LSD, cocaína, ecstasy e finalmente crack.

FOLHA - Sendo de uma família de classe média, como fazia para sustentar o vício?
CHULAM - No começo, usava dinheiro da mesada e também ganhava muita droga da galera mais velha. Depois de alguns anos, comecei a traficar para sustentar meu próprio vício e financiar minhas loucuras.

FOLHA - Quando seus pais descobriram que você usava drogas? Como eles trataram do tema em casa?
CHULAM - Quando eu tinha 16 anos, meu pai me perguntou no café da manhã se eu usava drogas. Falei a verdade. Disse que fumava maconha desde os 11 anos e que todos os meus amigos fumavam. Meus pais ficaram em estado de choque, perdi a viagem para Bali [Indonésia] que meu pai ia me dar.

Depois desse dia não parei de usar drogas, mas passei a usar muito colírio, e a mentira passou a fazer parte do meu relacionamento com meus pais. Os familiares, infelizmente, sofrem juntos. E, quase sempre, sofrem muito mais, porque os filhos viciados estão anestesiados pelo uso de drogas.

FOLHA - Qual foi a reação deles?
CHULAM - Tentaram me ajudar, mas, se o usuário não quiser ajuda, dificilmente isso irá funcionar. Meus pais não tiveram a mínima culpa. Sempre me deram de tudo do bom em termos de educação, carinho e diálogo.

FOLHA - Recentemente, um jovem da classe média do Rio matou a namorada quando estava no pico do crack. Você era agressivo quando estava drogado?
CHULAM - Nunca fui agressivo, mas sob efeito de drogas tudo é possível. Principalmente com o crack, cujo efeito cria uma compulsão sem limites.

FOLHA - O que leva um jovem de classe média a entrar para o tráfico?
CHULAM - O jovem de classe média não precisa trabalhar, ganha mesada, fala inglês, tem passaporte, é de boa aparência e acaba cercado por jovens nas mesmas condições.

Por esses motivos, acaba entrando em uma grande enrascada, vira noites em boates, vira dias em festas raves e tem um certo senso de que em tudo se pode dar um jeito. Acaba conhecendo as drogas, pessoas que as usam, pessoas que as vendem e acredita que aí está uma oportunidade de ganhar dinheiro, status e fama.

FOLHA - Como foi a história de plantar maconha no Havaí?
CHULAM - No Havaí, um grama de pakalolo [em polinésio paka=mato e lolo=louco] custa US$ 25, e lá ia eu com um amigo havaiano veterano da Guerra do Vietnã plantar para fumar, fazer um dinheirinho e surfar.
FOLHA - Você acredita que os jovens de classe média não enxergam o perigo de traficar ou não acreditam que possam ser presos por repassar drogas a colegas?
CHULAM - Primeiramente, é lógico que eles não enxergam, estão todos entorpecidos, dominados pelo vício, e o ego está superinflado. Em segundo lugar, temos a cultura no Brasil de que para tudo se dá um "jeitinho", mas com drogas é diferente. A polícia está fazendo o seu trabalho, tanto que o número de jovens de classe média presos na Fundação Casa (antiga Febem) já subiu 30%.

FOLHA - Você conta no livro que foi preso em Lisboa em 2004 ao levar cocaína em um paraglider. Você nessa época integrava alguma rede de tráfico internacional ou fazia isso de forma independente?
CHULAM - Fiz essa insanidade sozinho. Queria lucrar sozinho.

FOLHA - Qual foi a sua reação ao ser preso? O que pensou na hora?
CHULAM - Minha alma doía. A visão daquela que seria minha casa pelos próximos anos me embrulhou o estômago, só não vomitei porque não tinha nada para vomitar. Senti muito medo. Nos três primeiros dias dormi direto, na esperança de acordar de novo no avião.

FOLHA - Na sua opinião, o jovem de classe média que consome drogas tem consciência de que colabora com a violência urbana?
CHULAM - Não tenho dúvidas disso, todos sabem que o dinheiro sujo das drogas financia o crime organizado.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u647410.shtml

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